Duna, de Frank Herbert, foi publicado em outubro de 2020 pela Relógio d’Água, com tradução de Jorge Candeias.

Não sendo particularmente fã de ficção científica, não resisti a ler este livro assim que soube da nova adaptação ao grande ecrã. Foi de facto uma leitura empolgante, em que se demarca a qualidade literária de Frank Herbert, que não só cria um fabuloso mundo novo como consegue narrar sem se tornar explicativo; estou decidido a ler a continuação.

Paul Atreides é o herdeiro da Casa Atreides, família nobre nomeada pelo Imperador para governar o planeta desértico de Arrakis, mundo inóspito de temperaturas letais, onde a água é um bem tão raro que as pessoas usam fatos destilatórios (que lhes permite beber o seu suor e reaproveitar a água que o corpo naturalmente evapora). Tão preciosa quanto a água é a especiaria; a melange (também associada no livro à canela), tem de ser filtrada a partir da areia das dunas do deserto, e é também uma droga, provocadora de efeitos alucinogénios quando aspirada, capaz de prolongar a vida e expandir a consciência: aqueles que a consomem ficam gradualmente com os olhos mais azulados e pupilas dilatadas. Cobiçada em todo o universo, a especiaria é também uma importante fonte de combustão para as viagens interstelares, como que um combustível para as naves.

«Há uma antiga profecia de um rapaz com olhos perscrutadores e um ar de candura reservada» (p. 137)

Mas Paul, além de filho do Duque Atreides, é também filho de Jessica, uma ex-Bene Gesserit, criado pela mãe na tradição dessa estranha ordem de mulheres, capazes de presciência e de comandar a vontade alheia, quando aplicam o timbre de voz correcto. Apesar de ter cometido uma heresia, ao recusar-se a gerar uma filha, Jessica acredita que o seu filho pode ser um Messias há muito aguardado. Quando os Atreides são traídos e Paul se vê obrigado a fugir para o deserto, cumpre-se o princípio de um destino que o ultrapassa, tornar-se o Muad’Dib, e que os seus sonhos há muito anunciavam.

Num mundo profundamente dividido, «infectado pela violenta consciência racial que empurrava o universo humano para o caos» (p. 264), onde os sardaukar lançaram em tempos um pogrom para exterminar todos os fremen, que vivem em perfeita simbiose com a natureza em pleno deserto, este é também um livro sobre a alteridade e o futuro da espécie humana, em tempos de crise; em Arrakis, Paul Atreides compreenderá, finalmente, que «estava rodeado por um modo de vida que só podia ser compreendido se se postulasse uma ecologia de ideias e valores» (p. 404)

Mistura de aventura e misticismo, ambientalismo e política, Duna venceu o primeiro Prémio Nebula, partilhou o Prémio Hugo e é hoje reconhecido como o mais importante épico de ficção científica.

O filme estreou no dia 21 de Outubro nas salas de cinema portuguesas e também está disponível no canal HBO Max, revelando-se uma adaptação bastante fiel do livro; há apenas alguns episódios que fogem sensivelmente ao texto, para não contar, claro, com todos os cenários livremente criados a partir do imaginário do autor. É particularmente curiosa a forma como o deserto de Arrakis parece associado ao Médio Oriente (pela sonoridade da língua, pelas vestes), da mesma forma que podemos pensar no desejo de controlar o planeta, devido à ânsia da exploração da especiaria, como a sede por petróleo do mundo ocidental.

Dirigido por Denis Villeneuve (Arrival, Blade Runner 2049), o filme Dune, apresentado como Primeira Parte, corresponde sensivelmente à primeira metade do livro, em duas horas e trinta minutos de filme. Um dos grandes filmes do ano, conta com interpretações de Timothée Chalamet, Rebecca Ferguson, Oscar Isaac, Josh Brolin, Stellan Skarsgård, Zendaya, Charlotte Rampling, Jason Momoa e Javier Bardem. A banda sonora de Hans Zimmer é completamente diferente dos seus muitos trabalhos; por vezes recorre mais à ambiência do que à melodia, com sonoridades estranhas próprias de um mundo estranho, a lembrar a linguagem alienígena do anterior filme de Villeneuve, Arrival, cuja fantástica banda sonora foi composta pelo entretanto falecido Jóhann Jóhannsson.

A Relógio D’Água lançou, além de Duna, O Messias de Duna, segundo volume da série, que continuará a publicar.

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Paulo Nóbrega Serra
Written by Paulo Nóbrega Serra
Sou doutorado em Literatura com a tese «O realismo mágico na obra de Lídia Jorge, João de Melo e Hélia Correia», defendida em Junho de 2013. Mestre em Literatura Comparada e Licenciado em Línguas e Literaturas Modernas, autor da obra O Realismo Mágico na Literatura Portuguesa: O Dia dos Prodígios, de Lídia Jorge e O Meu Mundo Não É Deste Reino, de João de Melo, fruto da minha tese de mestrado. Tenho ainda três pequenas biografias publicadas na colecção Chamo-me: Agostinho da Silva, Eugénio de Andrade e D. Dinis. Colaboro com o suplemento Cultura.Sul e com o Postal do Algarve (distribuídos com o Expresso no Algarve e disponíveis online), e tenho publicado vários artigos e capítulos na área dos estudos literários. Trabalhei como professor do ensino público de 2003 a 2013 e ministrei formações. De Agosto de 2014 a Setembro de 2017, fui Docente do Instituto Camões em Gaborone na Universidade do Botsuana e na SADC, sendo o responsável pelo Departamento de Português da Universidade e ministrei cursos livres de língua portuguesa a adultos. Realizei um Mestrado em Ensino do Português e das Línguas Clássicas e uma pós-graduação em Ensino Especial. Vivi entre 2017 e Janeiro de 2020 na cidade da Beira, Moçambique, onde coordenei o Centro Cultural Português, do Camões, dois Centros de Língua Portuguesa, nas Universidades da Beira e de Quelimane. Fui docente na Universidade Pedagógica da Beira, onde leccionava Didáctica do Português a futuros professores. Resido agora em Díli, onde trabalho como Agente de Cooperação e lecciono na UNTL disciplinas como Leitura Orientada e Didáctica da Literatura. Ler é a minha vida e espero continuar a espalhar as chamas desta paixão entre os leitores amigos que por aqui passam.