Começo a achar que não há livro de Agustina que não seja um quebra-cabeças (entender a expressão de forma livre, isto é, qualquer coisa entre puzzle e dor de cabeça). A escrita agustiniana é um deleite, apesar da sua falta de linearidade mesmo quando se trata de narrar episódios históricos. Nomes de reis que se repetem, tanto que às vezes não sabemos se se fala de D. Pedro, o Cruel ou de D. Pedro, o Justiceiro, datas incertas de casamentos, pelo que nunca se sabe se o casamento de Pedro e Inês foi ou não legítimo, se já se conheciam antes do casamento do rei com D. Constança, as pistas são muitas e aquilo que fica para o leitor adivinhar é imenso. Fica deste livro a sensação de que muito mais importante do que os episódios do amor vivido entre D. Pedro e D. Inês de Castro é aquilo que se pode supor e ficcionar. Aliás de D. Inês ficamos sem saber nada, pois ela permanece na sua natureza de mulher medievalista – o renascimento veio pouco depois: enigmática, sem voz, presença apagada mas ainda assim móbil de paixões humanas e de rancores.
A autora faz recurso de várias fontes e citações, das crónicas de Fernão Lopes às peças de Gil Vicente, mas nunca para corroborar a sua versão da história, pois o que fica desta leitura é sobretudo a ideia de ensaio: do que significa escrever História (ou da impossibilidade de a reconstituir com justiça), das várias teorias e suposições que se podem tecer em torno de um facto, do que é o amor cortês, do que terá motivado os amores e ódios de um dos mais emblemáticos episódios da história nacional, ainda hoje gravado em pedra para a posteridade. Como em outras obras, a autora faz uso da dissertação, da recorrência e da repetição – há frases inteiras que surgem efectivamente repetidas -, para dar a entender que a História é muito mais aquilo que nós fazemos dela do que aquilo que efectivamente aconteceu e que reside num momento pretérito e irremediavelmente irrecuperável. A literatura é aliás superior a qualquer historiografia na sua arte de procurar resgatar o sucedido:
«Não sei porque se dá mais crédito à História arrumada em arquivos, do que à literatura divulgada como arte de poetas. Mentem estes menos do que os outros; porque a inspiração anda mais perto da verdade do que o conceito problemático da biografia, que é sempre cautelosa porque julga tratar de factos que a todos unem e interessam; e que acabam por ser, por isso, mais políticos do que relações de tempo entre homens.» (pág. 117).
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