Comecei ontem o último livro deste autor nascido em Newark em 1947, que nos encanta há 30 anos e depois de um interregno de 7 anos lança-nos agora esta obra magna. Esta obra, publicada pela ASA, é ambiciosa não só pelo tamanho, pois é constituída por 870 páginas de letrinha miudinha e sem bonecos, mas igualmente pela complexidade, ao narrar em 7 partes 4 caminhos alternativos para a vida de Archibald Isaac Ferguson, e pelo cuidado em narrar em simultâneo com os passos da personagem a História da América. Com o mote na contracapa «O que nos motiva verdadeiramente? O que nos leva a optar por um caminho em detrimento de outro? De que futuros abdicamos pelo simples facto de termos apenas uma vida para viver?», esta obra lembra Vida após Vida, de Kate Atkinson, que segue uma premissa idêntica, ou talvez tenham visto o filme Instantes Decisivos, com Gwyneth Paltrow, onde tudo se resumia a ela ter ou não conseguido apanhar o metro, momento em que a sua vida se bifurcou.
Cada parte do livro, depois do primeiro capítulo, 1.0, é constituída por 4 capítulos alternativos, até que já perto do final temos capítulos em branco, isto é, não-capítulos, como o 7.2 ou o 7.3… Paul Auster vai mais longe nesta obra e mostra como a cada caminho de vida tomado pelo jovem Ferguson corresponde também uma natureza e relações distintas. O título 4321 soa a contagem decrescente, talvez para dar ênfase a que, afinal, apesar de aspirarmos a várias vidas (e a ficção dá-nos tantas mais) temos apenas uma vida…
É curioso que Ferguson tenha nascido no mesmo ano que o autor, o que reforça, na minha leitura, aspectos que me parecem autobiográficos, como por exemplo o cuidado em enumerar todas as leituras feitas e os álbuns ouvidos pelo jovem Archie. Todas as 4 vidas de Ferguson giram em torno de um eixo comum, o amor pela mesma mulher, Amy Schneiderman (a obra é dedicada a Siri Hustvedt, a esposa do autor, também escritora).
Apesar do tamanho da obra a verdade é que há muito tempo não mergulhava tão facilmente num livro ou me sentia tão próximo de um protagonista, pelo que estas 870 páginas devoram-se rapidamente. Paul Auster revela-se um exímio contador de histórias, mesmo quando não se narra mais que o quotidiano banal de uma vida comum.

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Paulo Nóbrega Serra
Written by Paulo Nóbrega Serra
Sou doutorado em Literatura com a tese «O realismo mágico na obra de Lídia Jorge, João de Melo e Hélia Correia», defendida em Junho de 2013. Mestre em Literatura Comparada e Licenciado em Línguas e Literaturas Modernas, autor da obra O Realismo Mágico na Literatura Portuguesa: O Dia dos Prodígios, de Lídia Jorge e O Meu Mundo Não É Deste Reino, de João de Melo, fruto da minha tese de mestrado. Tenho ainda três pequenas biografias publicadas na colecção Chamo-me: Agostinho da Silva, Eugénio de Andrade e D. Dinis. Colaboro com o suplemento Cultura.Sul e com o Postal do Algarve (distribuídos com o Expresso no Algarve e disponíveis online), e tenho publicado vários artigos e capítulos na área dos estudos literários. Trabalhei como professor do ensino público de 2003 a 2013 e ministrei formações. De Agosto de 2014 a Setembro de 2017, fui Docente do Instituto Camões em Gaborone na Universidade do Botsuana e na SADC, sendo o responsável pelo Departamento de Português da Universidade e ministrei cursos livres de língua portuguesa a adultos. Realizei um Mestrado em Ensino do Português e das Línguas Clássicas e uma pós-graduação em Ensino Especial. Vivi entre 2017 e Janeiro de 2020 na cidade da Beira, Moçambique, onde coordenei o Centro Cultural Português, do Camões, dois Centros de Língua Portuguesa, nas Universidades da Beira e de Quelimane. Fui docente na Universidade Pedagógica da Beira, onde leccionava Didáctica do Português a futuros professores. Resido agora em Díli, onde trabalho como Agente de Cooperação e lecciono na UNTL disciplinas como Leitura Orientada e Didáctica da Literatura. Ler é a minha vida e espero continuar a espalhar as chamas desta paixão entre os leitores amigos que por aqui passam.