Um daqueles finais de dia há muito esperados com uma leitura que se vai arrastar ainda por muito tempo, pois são mais de 700 páginas, além de se cumprir outra das minhas intenções de há uns anos para cá: no início de cada ano ler um clássico.
Esta tetralogia publicada pela Dom Quixote, cujo quarto volume espero que saia em breve, tem-me proporcionado um imenso prazer, frase a frase, página a página. Thomas Mann é um Mestre, como se sabe, mas é precisa outra tanta mestria para se fazer uma tradução tão cadenciada e lírica como a de Gilda Lopes Encarnação. Ver artigo
Este livro já era conhecido, pelo menos no primeiro volume, e ressurge agora numa edição da Dom Quixote e traduzido pela primeira vez directamente do alemão – note-se a grafia do nome Jaacob –, numa brilhante tradução da professora Gilda Lopes Encarnação.
É costume dizer que todos deviam ler a Bíblia, mesmo que o texto bíblico padeça de uma escrita verdadeiramente literária. Mas apesar da dimensão desta obra – composta por quatro volumes –poder intimidar de início os mais renitentes, a escrita é de tal forma lírica, a história é de tal forma envolvente, que dificilmente podemos parar esta leitura que nos transporta para o tempo do milagre e do divino.
«Isaac colocou as suas mãos sobre o filho (…). E assim lhe concedeu a fertilidade da terra e toda a sua exuberância feminina, bem como o orvalho e o zimbro masculino do céu, e assim lhe concedeu a opulência dos campos, das árvores e das videiras, bem como a fertilidade pujante dos rebanhos e uma dupla tosquia todos os anos. Depositou no filho a aliança, fê-lo portador da promessa e herdeiro, para toda a eternidade, da obra fundada pelos patriarcas. As suas palavras altaneiras jorravam como as águas de um rio. Conferiu-lhe a hegemonia na luta entre as duas metades do mundo, a clara e a escura, assim como a vitória sobre o dragão do deserto; designou-o como Lua bela e como arauto da mudança, da renovação e do grande júbilo.» (p. 253)
E depois, em determinados momentos, o próprio autor parece falar com o leitor, em dissertação filosófica, para nos mostrar como a história de José e dos seus é tão próxima da dos comuns mortais, como tão distante da do quotidiano de cada um.
«Eis o jovem José acometido de vertigens neste ponto, tal como nos sucede quando nos debruçamos sobre a boca do poço, e não obstante as pequenas imprecisões que passavam pela sua bela e formosa cabeça, incompreensíveis aos nossos olhos, é proximidade o que sentimos em relação àquele jovem, como se fôssemos seus contemporâneos, se considerarmos os abismos próprios do submundo do passado a que José, tão remoto para nós, já assomava.» (p. 23)
No primeiro capítulo ficamos a conhecer José, o filho predilecto de Jaacob, um rapaz que tem tanto de belo como de poético, com capacidades proféticas, através dos sonhos e visões que lhe chegam ou de visões, mas incapaz de conter a sua grande língua, o que só lhe trará ódio por parte dos irmãos. A partir do segundo capítulo somos levados a conhecer a vida de Jaacob; de como foi instado pela mãe a usurpar a bênção especial destinada ao seu irmão Esaú, o primógenito de Isaac; de como partiu com uma magnífica comitiva, com animais de carga, presentes e objectos de troca, adornos e armas de uma escolta principesca, para tudo perder à mão de bandidos, menos a vida, pois a espada que lhe era destinada despedaça-se em sete vezes setenta pedaços; de como serviu a seu tio Labão durante sete anos para casar com a filha errada e outros sete para finalmente poder tomar para si a irmã amada. E na história de cada uma destas figuras bíblicas, o autor entretece ainda a história dos seus ascendentes, sendo possível, por exemplo, ver em Jaacob a dignidade espiritual de Abraão, como se estas figuras fossem reencarnações de um mesmo princípio divino. Mesmo que a história seja antiga e nos seus aspectos essenciais sobejamente conhecida, descobrimo-la aqui como se pela primeira vez.
Thomas Mann faz juz ao seu estatuto de Prémio Nobel e deixa-nos uma obra magistral, polifónica, como uma sinfonia que recupera um tema aqui e ali, enquanto se desenvolve entre a infância de José e a vida do seu pai Jaacob. Considerada pelo autor a sua magnum opus, esta recriação da história bíblica de José foi concebida em quatro partes, sendo as próximas a publicar O Jovem José, José no Egito e José, o Provedor, e mal podemos esperar pela continuação desta história mítica. Ver artigo
Este pequeno livro é mais uma pérola deste grande autor, prémio Nobel em 1929, cuja obra tenho estado a ler ultimamente (o que me leva a querer reler os que lera entretanto). Seguir-se-ão certamente Os Buddenbrook, o seu primeiro romance cuja escrita iniciou aos 21 anos de idade. Ver artigo
Fecha-se um ciclo na minha vida com o final desta leitura. Não me marcou tanto como uma certa obra, mas é um romance mágico. Romance de formação, de aprendizagem da vida, pois acredito que os 7 anos que Hans vive no sanatório condensam também a história do mundo, nessa montanha mágica que tem tanto de Olimpo como de descida ao Inferno, onde Settembrini faz de Virgílio, o seu guia e mentor, que o leva a descobrir um pouco da história da humanidade e do conhecimento, num período de tensão como se adivinha já nas discussões com Nafta, prenunciando o estalar da guerra e do confronto extremo de ideologias, que rasgam definitivamente o véu da ilusão e provocam o bruto despertar para a realidade de que Hans fugia, vivendo no sanatório como quem vive um sonho, e à qual por fim regressa de forma corajosa, já não como sonhador ou diletante, mas como guerreiro de sentido estóico perante a vida, perante a morte, enfrentando a morte e o caos com uma canção nos lábios. Da astrologia, astronomia, a dois ou três temas que me são caros, como a literatura, a música e o espiritismo, tudo é coberto pela sede de conhecimento e pelas experiências que Hans bebe de forma voluntariosa. Um livro que demorou 12 anos a escrever, dividido em 7 capítulos que curiosamente narram 7 anos (baseados em parte na permanência de Mann num sanatório por 3 semanas, tal como Hans pensava ir por 3 meses), se bem que não há qualquer correspondência entre capítulos e anos, ou entre o devir temporal da vida e a narrativa, pois se o primeiro capítulo cobre basicamente a chegada do jovem à montanha, outros capítulos condensam anos inteiros. pois o tempo parece uma espiral, dilema que Hans resolve abandonando relógios e calendários, pois querer medir o tempo afigura-se tão impossível como encontrar o caminho de regresso no meio da tempestade de neve em que anda em círculos. Acho que ninguém sai incólume deste romance, tal como Hans quando regressa transformado à planície… mas certamente que para melhor. Ver artigo
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