Publicado agora pela Livros Cotovia, este livro originalmente publicado em 1924 foi um êxito e fez com que o escritor então com 26 anos fosse comparado a Proust e a Dostoiveski, e aclamado por vários outros escritores, talvez por narrar com um lirismo e uma atenção ao pormenor próprios de Proust, mas sem a desenvoltura das suas longas frases sinfónicas, as desgraças da vida abaixo da aristocracia, dos de «condição miserável» (p. 168). Emmanuel Bove nasceu em Paris em 1898 e escreveu duas dezenas de obras até vir a falecer em 1945.
O livro tem um título enganoso, pois na verdade este inquilino de um prédio em Montrouge parece ter muito poucos amigos e os seus vizinhos mal o olham de frente, uma vez que a solidão, a tristeza e a pobreza nunca são grandes atractivos: «A solidão pesa-me. Gostava de ter um amigo, um verdadeiro amigo, ou então uma amante a quem confiasse as minhas penas.» (p. 35).
Esta é a história do quotidiano de Victor Bâton, narrada a partir da perspectiva muitas vezes iludida desse pobre coitado, hipocondríaco, inseguro, medroso e solitário («Sou demasiado sensível, pronto. (p. 46)», que circula pelo seu bairro, enquanto oferece um retrato prosaico dos vizinhos e dos lojistas, sempre num tom desencantado, de alguém que se sabe rejeitado pela sociedade e que em sua defesa pode apenas propalar que «tinha feito a guerra, que era um ferido grave, que tinha uma condecoração militar, que recebia uma pensão» (p. 24).
Conta os dias de solidão e de pobreza de uma pobre alma que combateu e foi ferido na Primeira Guerra e que agora vagabundeia pela cidade de Paris, pelas margens do Sena, nas estações de comboio, à procura da amizade e do amor: «Quando saio de casa, conto sempre com um acontecimento que revolucione a minha vida. Fico à espera dele até voltar. É por isso que nunca fico no quarto.» (p. 108). Victor Bâton não tem pejo em fingir que chora, «a fazer comédia» (p. 94), para que melhor sintam pena dele, se bem que a maioria das pessoas que se cruzam consigo parecem ser tão ou mais miseráveis do que ele: «Como não conheço ninguém, tento atrair as atenções na rua, pois só aí poderão reparar em mim.» (p. 93).

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Paulo Nóbrega Serra
Written by Paulo Nóbrega Serra
Sou doutorado em Literatura com a tese «O realismo mágico na obra de Lídia Jorge, João de Melo e Hélia Correia», defendida em Junho de 2013. Mestre em Literatura Comparada e Licenciado em Línguas e Literaturas Modernas, autor da obra O Realismo Mágico na Literatura Portuguesa: O Dia dos Prodígios, de Lídia Jorge e O Meu Mundo Não É Deste Reino, de João de Melo, fruto da minha tese de mestrado. Tenho ainda três pequenas biografias publicadas na colecção Chamo-me: Agostinho da Silva, Eugénio de Andrade e D. Dinis. Colaboro com o suplemento Cultura.Sul e com o Postal do Algarve (distribuídos com o Expresso no Algarve e disponíveis online), e tenho publicado vários artigos e capítulos na área dos estudos literários. Trabalhei como professor do ensino público de 2003 a 2013 e ministrei formações. De Agosto de 2014 a Setembro de 2017, fui Docente do Instituto Camões em Gaborone na Universidade do Botsuana e na SADC, sendo o responsável pelo Departamento de Português da Universidade e ministrei cursos livres de língua portuguesa a adultos. Realizei um Mestrado em Ensino do Português e das Línguas Clássicas e uma pós-graduação em Ensino Especial. Vivi entre 2017 e Janeiro de 2020 na cidade da Beira, Moçambique, onde coordenei o Centro Cultural Português, do Camões, dois Centros de Língua Portuguesa, nas Universidades da Beira e de Quelimane. Fui docente na Universidade Pedagógica da Beira, onde leccionava Didáctica do Português a futuros professores. Resido agora em Díli, onde trabalho como Agente de Cooperação e lecciono na UNTL disciplinas como Leitura Orientada e Didáctica da Literatura. Ler é a minha vida e espero continuar a espalhar as chamas desta paixão entre os leitores amigos que por aqui passam.