É a Ales representa o segundo texto breve que nos chega este ano do autor Jon Fosse, laureado em 2023 com o Nobel de Literatura e publicado entre nós pela Cavalo de Ferro.
Depois de Uma Brancura Luminosa, este livro é anunciado como o regresso de uma das obras mais celebradas e mais icónicas do autor. A tradução é de Pedro Porto Fernandes.
Signe está deitada no divã e vê-se a si própria, quando jovem, de pé, à janela, esperando com inquietação que Asle, seu marido, volte para casa. Passados mais de vinte anos, recorda-se desse dia em que, apesar da escuridão, do vento e da chuva, Asle insistiu em ir dar o seu habitual passeio de barco no fiorde e nunca mais regressou.
A essa memória juntam-se outras, sob a forma de sonhos ou de sombras, chegando mesmo a recuar cinco gerações da mesma família, até chegar a uma outra jovem mulher, de nome Ales, com um menino ao colo, junto a uma pequena fogueira.
Como ocorre em outras obras do autor, a acção desdobra-se e atravessa tempos distintos, da mesma forma que as personagens parecem refractar-se e desdobrar-se como num jogo de espelhos, em que os nomes se repetem ou ressoam muito próximos, acentuando este eu que por vezes é múltiplo. Neste livro, ora acompanhamos o fluxo de consciência de Ales numa terça-feira no final de novembro de 1979, ora estamos em março de 2002, até que perto do fim chegamos a novembro de 1897…
Há ainda espaço para a simbologia, como aparece na recorrente referência à camisola preta vestida pelo defunto Asle, numa narrativa onde a sobreposição de planos parece reforçar a ideia de que no luto de uma pessoa querida esta nunca desaparece totalmente, pois a sua memória mantém-se e há momentos partilhados que se repetem em eco.
Uma novela em que a narrativa breve não retira intensidade ao dramatismo e lirismo da prosa, sempre original e muito própria, numa bela e melancólica meditação sobre o amor e a perda.
“chegou uma carta em que ele (…) escrevia um pouco sobre as coisas do dia-a-dia, pouco mais do que isso, só algumas palavras, poucas palavras, comuns, pequenas, palavras muito simples, mas bastavam, não era preciso mais” (p. 45)
Jon Fosse (Haugesund, 1959) é um dos mais importantes e celebrados autores vivos. Escritor e dramaturgo prolífero, estreou-se em 1983 com o romance Raudt, svart [Vermelho, preto], tendo recebido vários prémios ao longo da sua carreira, entre os quais o Prémio Internacional Ibsen, o Prémio Europeu de Literatura e o Prémio de Literatura do Conselho Nórdico. A sua extensa obra, traduzida em mais de cinquenta línguas, inclui romance, teatro, poesia, livros para crianças e ensaio. Recebeu o Prémio Nobel de Literatura 2023 «pelas suas peças de teatro e prosa inovadoras que dão voz ao indizível».
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