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Literatura Portuguesa

Os naufrágios de Camões, Mário Cláudio

É quase com receio, ou pelo menos com imenso respeito, que nos aventuramos a indagar de um sentido subjacente a este magnífico e desafiador livro de um dos grandes autores da literatura portuguesa (cuja obra está publicada pela Dom Quixote), sobretudo quando nos deparamos com uma passagem que ironiza acerca das teses que hoje se possam conjecturar: «aparecia-me aquele desconchavo como uma metáfora da cultura contemporânea, um labirinto de citações de citações, projectado no espaço virtual, expediente que de resto não deixa de seduzir gente tão desejadamente articulada como o autor desta prosa» (pág. 58). E é esta voz narratorial que se assume como sendo o próprio autor («indaguei de mim próprio em que espécie de salgalhada me deixava envolver, aquele novelo de vidas ligadas a vidas» (pág. 39) que se institui como um dos grandes trunfos deste autor de biografias ficcionalizadas e de sagas familiares com fundo histórico que permitem, dessa forma, ficcionalizar a História. E de modo a reescrever a História, ou aquilo que se toma como certo sobre Luís de Camões, este romance está tripartido de forma sequencialmente regressiva, como só podia ser, de modo a nos deslumbrar no fim com a confirmação de que mesmo as teses mais polémicas e desconchavadas podem esconder um fundo de verdade.
A primeira parte tem lugar na altura em que o autor escreve Tiago Veiga, e dá a conhecer a correspondência encetada por Timothy Rassmunsen, o neto de Tiago Veiga (em que o autor numa estratégia bem pósmodernista recorre a um empréstimo homoautoral, mantendo vivas as suas personagens e fazendo-as transitar de um livro para outro), mas à qual o autor/narrador não considera sequer responder, dada a insólita tese que Timothy vai alimentando de que Camões nunca teria sobrevivido ao naufrágio no delta do Mekong, onde teria afinal perdido não só a sua amada Dinamene mas também a vida. Contudo esta «abstrusa teoria», ainda que apoiada nos escritos do explorador britânico Richard Burton, que é tida como produto de uma mente que caminha na corda bamba entre a crise de meia-idade e a loucura, consegue provocar no autor «o apetite de o converter em protagonista de um livro como este» (pág. 27).
Na segunda parte, situada por volta de 1830-90, o autor ao esbarrar num contratempo que encerra a parte precedente, vê-se forçado a recorrer à figura do camonista e tradutor de Os Lusíadas, passando a narrar algumas das peripécias vividas por este explorador que na «truculência de Luís de Camões, evidenciada pelo registo que ficou do brigão de rua, do soldado destemido, e do rebelde a burocracias, detectaria Richard Burton o traço de uma personalidade afim da sua.» (pág. 92). Será curioso notar como tanto Richard Burton como o neto de Tiago Veiga parecem idolatrar Camões tanto mais quanto se identificarão com ele, ao ponto de começar a declamar os versos da sua obra como se fossem fruto do seu engenho.
Finalmente, a terceira parte recua até ao cenário das conjecturas dos protagonistas das partes anteriores, e Ruy (nome que não é inocente…), o escrivão de bordo, narra o percurso de São Lourenço, a nau anual da China, que parte de Macau com Camões agrilhoado, e Dinamene a seus pés, o que não o impedia de ir escrevendo a sua obra durante a travessia até que, numa passagem que lembra fortemente a do Adamastor, se dá o fatídico naufrágio.
De um fino sentido de humor que perpassa a primeira parte, e em que lemos como se de um diário se tratasse as peripécias do autor/narrador, até à forte crítica social que perpassa na terceira parte, acusando a vida de um Portugal que parece não ter mudado muito nos últimos 500 anos, este é um romance com o seu quê de polémico e que confirma Mário Cláudio como um escritor dos que ficarão na História. Ver artigo

Março 17, 2017by Paulo Nóbrega Serra
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