Kate Atkinson, nascida em York (Grã-Bretanha) em 1951, conseguiu a proeza de ganhar o Prémio Costa pela terceira vez com esta obra que é um complemento, não uma sequela, segundo palavras da própria autora, de Vida após Vida, o seu romance anterior, igualmente premiado com o Costa e publicado pela Relógio d’Água.
A autora teve ainda duas outras obras publicadas em Portugal. Retratos de Família, o seu romance de estreia e vencedor do Costa, com o título original de Behind the Scenes at the Museum, data de 1995 e foi publicado uns anos depois pela Planeta Editora, que também traduziu e publicou Croquete Humano.
Vida após Vida, publicado pela Relógio d’Água em 2014, assenta numa ideia original. Na contracapa do livro pode ler-se: «Em 1910, durante uma tempestade de neve em Inglaterra, um bebé nasce e morre sem que tenha tempo de respirar. Em 1910, durante uma tempestade de neve em Inglaterra, o mesmo bebé nasce e vive para poder contar a aventura.». Ou, dito de outra forma, para poder contar a História. A história de Vida após Vida, como o título indica, é uma sucessão de desfechos alternativos, mas se ao início esses desfechos alternativos parecem cingir-se àquilo que aconteceria se Ursula sobrevivesse às várias mortes por que passa, depois começam a estar mais amplamente relacionados com o próprio livre arbítrio da personagem e das decisões que toma. A vida de Ursula desdobra-se numa míriade de vidas possíveis, até que, no fecho do primeiro capítulo, localizado temporalmente em Novembro de 1930, quando Ursula entra num café e dispara sobre Hitler, se pressente que a ideia central ao romance é não só a eterna questão de “E se eu tivesse decidido assim ou optado por ali” mas sim a de “E se fosse possível prever o futuro e reescrever a História?”. Nas palavras da própria heroína: «Uma vez ouvi alguém dizer que a presciência era uma coisa maravilhosa, que com ela não haveria história.» (pág. 428). Ver artigo
Esperei quase dois anos para ler a tradução deste livro e para perceber como é que a autora conseguiu a proeza de ganhar o Prémio Costa pela terceira vez com esta obra que é um complemento, não uma sequela, segundo palavras da própria, a Vida após Vida. Nesse romance anterior igualmente premiado com o Costa e publicado pela Relógio d’Água, Ursula, numa das suas várias vidas (para quem leu o romance anterior percebe) é uma presença constante, até porque é a irmã preferida, e provavelmente a amizade mais sólida, de Teddy, Edward Todd, um piloto do Comando de Bombardeiros. Apresentei em tempos um livro de Sebald, História Natural da Destruição, em que o autor comenta justamente a pouca literatura que há em torno da guerra aérea que pulverizou a Alemanha. Pois neste romance Kate Atkinson centra-se justamente no Blitz de Londres e na campanha de bombardeamentos estratégicos contra a Alemanha. Há uma aturada pesquisa histórica, que aliás se sente, nunca de forma enfadonha, nas descrições pormenorizadas dos voos e dos pormenores associados à guerra, sendo que os episódios narrados são sempre baseados em factos reais. Existem momentos em que podemos mesmo visualizar vividamente as cenas, como se estivéssemos a ver um filme como Dunkirk.
Mas este não é apenas um romance sobre a guerra. É sobretudo um romance sobre a vida e as várias guerras que combatemos ao longo dela, como a doença, a velhice, as relações familiares, ou tão simplesmente o esquecimento.
Não é um romance em que se entre de ânimo leve. Penso que só perto da página 100 é que comecei a embrenhar-me na história verdadeiramente.
E se tivesse de arriscar um motivo pelo qual este livro arrecadou o Costa seria pelo tratamento do tempo. Não me refiro a prolepses ou analepses, que são constantes, nem ao facto de os capítulos, todos eles datados com um ano (entre 1925 e 2012), serem desordenados cronologicamente. Em poucas linhas os planos temporais enovelam-se e quase perdemos o fio à meada, não fosse a perícia com que a autora tece o fio do tempo.
Usar a metáfora de que ler este romance é como nos perdermos num labirinto seria incorrecto. Aqui andamos numa sala de espelhos, em que o passado faz luz sobre o futuro e o futuro se projecta no passado, à medida que um homem, num século que não é mais o seu, se apercebe de como a vida vai ruíndo apesar da sua bondade e da sua integridade. Ver artigo
Este foi o romance de estreia da autora em 1995 e publicado entre nós pela antiga Planeta Editora uns anos depois, penso que 1998. Foi escolhido como Livro do Ano da Whitbread e para quem conheceu a autora pelo seu penúltimo romance, Vida após Vida, pode confirmar como a sua voz se destacava já neste primeiro romance como uma voz original, uma escrita finíssima, elegante (que sobrevive a uma tradução mediana e a uma revisão deficiente), e principalmente, a característica que mais aprecio na autora, um forte sentido de humor capaz de arrancar pequenas gargalhadas, muitas vezes através de pequenos à partes que pontuam a narrativa, com temas comuns que perpassam a sua escrita. Apesar de ser descrito como um retrato de família vulgar (e a tradução do título também deixa a desejar mas acaba por se adequar ao livro), a história de Ruby Lennox é tudo menos vulgar. Acompanhamos a sua vida exactamente desde o momento da sua concepção, no preciso instante em que o pai e a mãe a concebem ao som das badaladas da meia-noite, e nas próximas cerca de 370 páginas a autora faz um retrato da vida desta rapariga, que tem diversas irmãs (todas elas acabam por desaparecer), ainda que se demore muito mais na sua infância, passando pela juventude de forma mais breve e quase voando pela sua idade adulta. Logo aqui sentimos uma familiariedade com a narrativa de Vida após Vida, mas mais ainda pela forma como a autora procura sobretudo transmitir, percorrendo várias gerações e várias personagens (convém ir traçando uma árvore genealógica), um sentido de oportunidades perdidas, de chances que desperdiçamos ao longo da vida, ao mesmo tempo que vai deixando perpassar em alguns momentos que há alguns segredos (inerentes a todas as famílias que se prezem) que serão posteriormente desvendados, havendo também direito a um pequeno volteface, e que reforça a ideia das vidas que não se cumprem… Se bem que Alice, a personagem que de facto arriscou e largou tudo em busca de um sonho também não se parece ter dado muito melhor do que as outras. Bunty, a mãe de Ruby, é talvez a figura mais forte de toda a galeria feminina, pela sua frieza e sarcasmo, ao ponto de as próprias filhas temerem e odiarem a mãe que parece sempre incapaz de um único gesto de carinho. Ver artigo
Respondi recentemente a um desafio sobre os melhores livros lidos este ano – se bem que até o ano acabar ainda espero ler mais uns quantos. Não incluí este na lista que seria certamente o terceiro ou quarto, em termos de qualidade. Vida após Vida é de 2013, tendo ganho o Prémio Costa, e foi publicado pela Relógio d’Água em 2014. É um livro que assenta numa ideia bastante original, com uma escrita soberba, elegante e cheia de humor, se bem que esse humor delicioso se centre mais em Fox Corner, morada da infância e juventude de Ursula – independentemente da sua vida, pois é essencialmente em adulta que os desfechos se começam a desdobrar – e nos chistes trocados entre os seus familiares. Todavia, permitam-me antes de mais começar por uma crítica negativa: porque não traduzir as falas em alemão que não são imensas mas são suficientes e inseridas no texto no original acabam por não permitir ao leitor comum – que não saiba alemão – perceber o se está a passar… Isto aconteceu antes, de forma ainda mais gritante, com o Uma questão de classe e as suas citações latinas, pelo que começo a achar que os tradutores estão mais preocupados em se focar na língua que de facto sabem, o inglês, e quanto ao resto o leitor que se amanhe. Ver artigo
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