Ungulani Ba Ka Khosa, muito pouco falado em Portugal, onde apenas existem duas obras publicadas (uma delas esgotada) é dos escritores moçambicanos mais reconhecidos da sua geração. Francisco Esaú Cossa nasceu a 1 de Agosto de 1957 em Inhaminga, na província de Sofala, membro da tribo étnica Tsonga e falante da língua Tsonga, e adoptou como “pseudónimo” o seu nome Tsonga. Formado em Direito e em Ensino de História e Geografia, exerce actualmente as funções de director do Instituto Nacional do Livro e do Disco. É membro e secretário-geral da Associação dos Escritores Moçambicanos.
A sua primeira obra, Ualalapi (1987), obteve o Grande Prémio de Ficção Moçambicana em 1990 e foi considerada uma das 100 melhores obras africanas de ficção do século XX.
Os sobreviventes da Noite (2005) foi vencedor do prémio José Craveirinha de Literatura em 2007 e trata a história mais recente após a independência declarada em 25 de Junho de 1975, durante o período da guerra civil moçambicana.
O autor explora uma realidade histórica mais recente, mas nem por isso menos problemática, que é a da guerra civil moçambicana pós-independência, abordando particularmente o recrutamento de crianças-soldado e de concubinas-criança.
Numa narrativa aparentemente desconexa, onde o presente da enunciação, de um tempo morto em que nada parece acontecer, é constantemente interrompido por recuos a propósito da entrada em cena de alguma personagem, o que logo cria uma justificativa para se introduzir a sua história. Além disso, há extensas falas de personagens completamente inseridas no discurso do narrador, em que os seus testemunhos em discurso directo são apropriados no seio do discurso indirecto do narrador.
Este tempo de angústia corresponde ao que muitas vezes se vivia em espaços como estes acampamentos de guerra, onde muito do tempo que aí se passava era de espera e de desespero, mesmo que se cumprisse uma rotina.
A narrativa consiste em 6 capítulos não identificados e centra-se em quatro jovens soldados: Severino, Penete, António Boca e José Sabonete, os «sujeitos encarregues de mudar a História» (p. 27).
A guerra é sempre considerada como «sem sentido», «sem razão, e «sem lógica». Todavia, isso não impede que esta guerra se tenha tornado orgânica: «a guerra tornara-se já, no espírito de Severino, António, Penete, João, Francisco e outros, algo de orgânico. Ela circulava no corpo com a mesma naturalidade com que o sangue percorre as veias. E ela tinha que ser alimentada, nutrida.» (p. 32). Ver artigo
Mais que um guia turístico ou um roteiro, este é um livro em que a jornalista e algarvia Teresa Conceição nos conduz numa visita guiada pelo Algarve, de uma ponta a outra: «De “Al” a “Al”. De Alcoutim a Aljezur, de Albufeira a Alvor, de Almancil a Alcantarilha. E também de “O” a “O”: de Odeceixe a Odelouca, de Odeleite a Odiáxere e a Olhão.». Num relato feito na primeira pessoa, a autora desfia passeios, restaurantes, praias, hotéis, alojamentos, e ilustra as suas sugestões com centenas de fotos tiradas por si, incluíndo ainda números de telefone, preços e mapas, numa travessia feita de Sotavento a Barlavento pelos Algarves, sempre com introduções e apontamentos pessoais de alguém que conta «(já) quase meio século de andanças no nosso Sul mais a sul».
Este livro da Guerra & Paz tem ainda a particularidade de resultar de um programa televisivo, pois a rubrica IR é o melhor remédio é apresentada por Teresa Conceição há mais de dez anos na SIC, onde a jornalista apresenta sempre com algum humor e irreverência as suas sugestões pessoais que, naturalmente, não se limitam a praia. Para os mais distraídos, ficam a saber que no Algarve também se podem encontrar flamingos, fazer passeios de burro pelos trilhos da costa vicentina, descobrir caminhos na serra a pé, de bicicleta ou a cavalo, e descobrir uma piscina natural numa aldeia no meio da serra.
E como algarvio que sou não posso deixar de dar o devido mérito à salvaguarda que a autora faz logo no início do livro: o Algarve não é para redescobrir ou conhecer só no Verão, muito menos durante as enchentes do mês de Agosto. Os serviços aqui sugeridos foram sempre experimentados noutras alturas do ano: «Restaurantes bons podem ter dias maus; no Algarve e no Verão, as multidões não ajudam quando se trata de prestar um bom serviço». Ver artigo
O Amor em Lobito Bay, publicado pela D. Quixote, é o quarto volume de contos da autora Lídia Jorge. Natural de Boliqueime, e uma das grandes romancistas da literatura portuguesa pós-25 de Abril, a autora opta por escrever estas narrativas breves entre os seus romances, como forma de experimentação literária, sendo o romance aquilo que a autora chama de “demonstração longa”. Os anteriores volumes de contos foram Marido e outros contos (1997), onde está integrado «Marido», um dos seus melhores contos, O Belo Adormecido (2004), e Praça de Londres (2008). Foram ainda publicados dois contos em edição individual: O organista e A instrumentalina, que já antes tinha conhecido uma edição isolada e estava ainda integrado na antologia de Marido e outros contos. Ver artigo
Fecha-se um ciclo na minha vida com o final desta leitura. Não me marcou tanto como uma certa obra, mas é um romance mágico. Romance de formação, de aprendizagem da vida, pois acredito que os 7 anos que Hans vive no sanatório condensam também a história do mundo, nessa montanha mágica que tem tanto de Olimpo como de descida ao Inferno, onde Settembrini faz de Virgílio, o seu guia e mentor, que o leva a descobrir um pouco da história da humanidade e do conhecimento, num período de tensão como se adivinha já nas discussões com Nafta, prenunciando o estalar da guerra e do confronto extremo de ideologias, que rasgam definitivamente o véu da ilusão e provocam o bruto despertar para a realidade de que Hans fugia, vivendo no sanatório como quem vive um sonho, e à qual por fim regressa de forma corajosa, já não como sonhador ou diletante, mas como guerreiro de sentido estóico perante a vida, perante a morte, enfrentando a morte e o caos com uma canção nos lábios. Da astrologia, astronomia, a dois ou três temas que me são caros, como a literatura, a música e o espiritismo, tudo é coberto pela sede de conhecimento e pelas experiências que Hans bebe de forma voluntariosa. Um livro que demorou 12 anos a escrever, dividido em 7 capítulos que curiosamente narram 7 anos (baseados em parte na permanência de Mann num sanatório por 3 semanas, tal como Hans pensava ir por 3 meses), se bem que não há qualquer correspondência entre capítulos e anos, ou entre o devir temporal da vida e a narrativa, pois se o primeiro capítulo cobre basicamente a chegada do jovem à montanha, outros capítulos condensam anos inteiros. pois o tempo parece uma espiral, dilema que Hans resolve abandonando relógios e calendários, pois querer medir o tempo afigura-se tão impossível como encontrar o caminho de regresso no meio da tempestade de neve em que anda em círculos. Acho que ninguém sai incólume deste romance, tal como Hans quando regressa transformado à planície… mas certamente que para melhor. Ver artigo
Outro livro do autor de Memórias de um espírito que nos leva de regresso à sua ilha, de onde aliás saiu aos 18 anos – conta agora com 70 – e apenas regressou à Boa Vista em 2005. Esse saudosismo está aliás bem patente neste livro cuja estrutura por vezes circular se desenrola como um rosário de memórias, de forma contínua e ininterrupta, sem capítulos ou qualquer divisão entre o texto que abrange cerca de 300 páginas de rememorações a que por vezes se regressa com alguma insistência.
O narrador está lá mas esconde-se por detrás de uma galeria de personagens que são consideradas família, mesmo quando não há qualquer laço de sangue. Apenas duas ou três vezes percebemos que o narrador é acusado de preguiçoso, sempre perdido nos livros e na escrita, o que corrobora a ideia de este livro como uma elegia do eterno retorno ao que se deixou e a que o próprio autor diz ter medo de tentar reencontrar, pois compreende que o passado é algo que não se recupera nem se revive.
Acompanhamos assim uma descrição exaustiva da ilha, ou do que a ilha era durante a infância do narrador, onde a sua história se desdobra mediante várias estórias de diversas personagens, com laivos do humor característico de outras obras do autor, em que um mosaico de superstições, religião, crendice, gastronomia, hábitos e costumes, actividades, é desfiado de forma ligeira e envolvente, como uma história contada por um avô à volta da fogueira, sobre fantasmas que rondam uma acácia e emigrantes que partiram para a terra das oportunidades que nunca deixaram a terra mas a ela nunca regressam, isto é, a verdadeira definição do que é ser insular… saudoso… lusófono… português… Ver artigo