Escreve Anabela Mendes no posfácio que a escrita de Steiner «não é intrincada nem obscura» mas diz também mais perto do fim que para «ler Steiner como ele merece, temos de tirar férias da vida» (p. 136). Steiner não é, efectivamente, leitura a tentar no meio de uma praia familiar onde as pessoas têm tendência para deitar a toalha mesmo ao nosso lado. É preciso silêncio e recolhimento, pois nestes 6 ensaios (de datas tão díspares como 1981 ou 2004) do autor recolhidos nesta edição de Fevereiro de 2017 da Relógio d’Água, graças à iniciativa de Ricardo Gil Soeiro, organizador e tradutor, a quem Steiner cedeu prontamente autorização dos direitos de reprodução dos seus ensaios, a linguagem pode tornar-se complexa, dada a profusão de referências nomeadamente nos dois primeiros ensaios, que se debruçam sobre os estudos literários. Ricardo Gil Soeiro, um estudioso do autor (quero ler a obra, penso que organizada por si, O pensamento tornado dança) oferece-nos ainda um prefácio bastante esclarecedor, feito ensaio a ensaio, que nos preparam para as próximas cerca de 130 páginas: «Narciso e Eco», sendo aqui a crítica esse eco em torno da narrativa narcísica que vive por si e para si, e o eco a vida que o leitor lhe dá a cada nova leitura; «Uma leitura bem feita» sobre o que deve ser uma boa leitura; um estudo sobre a tragédia; uma análise do Holocausto, que o autor prefere designar por Shoah, e de como a linguagem se tornou insuficiente para descrever ou narrar o mundo uma vez ultrapassado o limite do inimaginável na história humana; «O Crepúsculo das Humanidades?» onde o autor começa por definir o conceito de crise para depois pôr em causa até que ponto as Humanidades estarão realmente em declínio. Steiner reconhece que o «académico e o professor das Letras foram economicamente marginalizados», numa era em que a imagem impera sobre a palavra e o pensamento, mas também parece considerar como motivo para o declínio das Humanidades a polémica noção de que a arte afinal contribuiu pouco para elevar o homem e os valores humanos: «Hoje sabemos – e depois de um tal conhecimento, qual o perdão? – que este postulado, na sua roupagem milenar e clássica, está errado. Sabemos que as conquistas proeminentes da educação, os elevados níveis de uma literacia pública não inibiram a tortura, os assassínios em massa e os massacres colectivos», pois pode-se «tocar Schubert ou ler Virgílio no seu lar e depois continuar o seu trabalho diário nas câmaras de tortura e nos campos de extermínio» (p. 116). Por fim, o autor deixa-nos uma fantástica elegia à singularidade de Fernando Pessoa no panorama da literatura mundial: «É raro um país e uma língua ganharem num só dia quatro poetas maiores» (p. 125), onde não faltam considerações sobre a melancolia e espiritualidade lisboeta, várias citações e uma análise sucinta mas brilhante de como Pessoa se estilhaçou para se tornar mais inteiro, aconselhando ainda, no final, a leitura de «um dos maiores romances da literatura europeia recente»: O ano da morte de Ricardo Reis.
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